Com as propostas de descarbonização de nossas atividades, da eletrificação do setor de transportes e da transição para uma matriz energética composta por fontes limpas renováveis, uma enorme cadeia de suprimentos para baterias se prepara para enfrentar grandes desafios, frente à crescente demanda movida por estes interesses.
Índice
Introdução
Ao contrário do que ocorre no mercado de bens de consumo, a extração e a transformação de commodities minerais não estão crescendo na mesma velocidade que a demanda, com a escassez de metais (cada vez mais raros) colocando em questão as prioridades em relação ao seu uso e afetando seu valor.
Algumas dessas commodities, como o ferro e o níquel, são elementos indispensáveis para a produção de ligas metálicas utilizadas na fabricação de produtos como instrumentos cirúrgicos, equipamentos industriais e baterias – críticos para setores como saúde, indústria e transportes – entre inúmeros outros, sem os quais o modo de vida da sociedade contemporânea seria comprometido.
Uma vez que o níquel, por exemplo, é essencial para a fabricação de ligas metálicas como o aço inoxidável, o que vale mais: níquel na bateria de um carro elétrico ou em um bisturi cirúrgico? O mesmo vale para o lítio, cobalto e cobre – commodities tão essenciais para a fabricação de baterias quanto de outros produtos críticos à nossa economia e desenvolvimento tecnológico – cuja extração e refino em nível mundial não parecem estar prontos para acompanhar a demanda nos próximos anos.
Frente à iminente escassez, novas empresas estão surgindo e desenvolvendo formas inovadoras de obter esses ativos críticos, em crescente demanda. Enquanto umas perseguem soluções como a mineração em asteroides ou no fundo do mar, outras propõem obter esses ativos por meio da boa e velha reciclagem, poupando o planeta da extração acelerada de seus recursos naturais e garantindo alguma reserva (ou uma alternativa) para as próximas gerações.
Oferta e Demanda
Diversos elementos compõem as baterias mais comuns, mas todos são utilizados em outras aplicações. No caso do níquel, por exemplo, a principal aplicação é na fabricação de aço inoxidável, destino de cerca de dois terços da produção global. Como resultado do aumento na demanda de minério para baterias, a oferta atual não será suficiente para atender à demanda prevista.
Nesse cenário, os preços podem aumentar e pesquisas visando sua substituição serão necessárias para rebalancear o mercado. Isso pode ocorrer se a demanda por produtos e a escassez de commodities acelerar uma mudança na composição de baterias ou a adoção de novas tecnologias para armazenamento de energia.
Commodities, Baterias e Cirurgias
Presentes em inúmeros bens de consumo, baterias de íons de lítio são tão predominantes em sistemas de geração e armazenamento de energia – como fazendas eólicas e solares – quanto em dispositivos móveis – sejam eles furadeiras, telefones ou veículos elétricos. Por isso, é muito importante entender que, além do uso em baterias, as commodities necessárias para sua fabricação também são essenciais à produção de ligas metálicas das quais dependem inúmeros produtos.
Elementos como o ferro, alumínio, lítio, níquel e cobalto também são utilizados na fabricação dos mais variados produtos, de remédios a barcos. Com as inevitáveis transformações na matriz energética mundial, pesquisas na direção de substitutos e alternativas estão sendo desenvolvidas em ritmo acelerado, a fim de suplantar a demanda crescente e atender a uma provável readequação do mercado.
Matriz Energética em Transformação
A adoção de fontes renováveis de energia não é mais uma tendência, com a transição para uma matriz energética limpa, a geração pulverizada de energia e a eletrificação do setor de transportes, entre outros fatores, acelerando esse processo, aparentemente, irreversível. Com esse futuro cada vez mais próximo, tudo indica que a oferta atual de commodities essenciais para essa transição precisaria aumentar muito para suportar a demanda prevista.
A consultoria americana Ernst & Young aponta uma provável lacuna entre a oferta e a demanda, colocando mineradoras em uma situação delicada onde deverão expandir suas operações, se quiserem suportar a demanda prevista. O artigo, baseado em dados da JP Morgan Research and Macquarie Research, prevê que a produção de lítio deve quadruplicar a fim de satisfazer a procura crescente. A consultoria estima que, na ausência do desenvolvimento de novas minas, o déficit do mercado de lítio deverá atingir 700 mil toneladas até 2030. Da mesma forma, o mercado de cobre deverá registar um déficit de quase 4,7 milhões de toneladas até 2030, de acordo com as atuais projeções de oferta.
Outro artigo recente, da consultoria americana McKinsey, apontou que, à medida que inúmeros mercados se preparam para reduzir (ou eliminar) suas emissões de carbono, a demanda por minerais deve disparar na indústria de base. A publicação aponta que a transição da matriz energética apresenta desafios únicos para as companhias metalúrgicas e de mineração, que precisam repensar suas atividades e sua agenda de crescimento.
Isso ocorre pois esse processo exige a produção, em larga escala, de novos bens de consumo. Baterias, carros elétricos, placas solares e geradores eólicos, entre outros, são necessários para essa mudança e demandam a exploração de commodities em larga escala, o que traz uma questão importante: será que o planeta tem recursos suficientes? Teóricos da economia e do setor de energia dizem que não.
Setor de Energia
Um dos pontos de atenção na transição para uma nova matriz energética é o uso de fontes renováveis, como solar e eólica, que trazem uma intermitência na geração de energia, o calcanhar de aquiles das energias renováveis. Em um dia frio, nublado e sem vento, por exemplo, a demanda poderia, facilmente, suplantar a oferta.
Felizmente, para contornar os problemas causados pela imprevisibilidade da geração de energia, há uma solução: bancos de baterias como o PowerBank da Tesla (NASDAQ: TSLA).
Tais produtos podem ser incorporados a sistemas de geração de energia, armazenando o excesso gerado durante os picos de produção e fornecendo esse excedente durante os picos de consumo, ou quando as fontes de geração estiverem operando abaixo da demanda.
Pesquisas no setor de geração e armazenamento de energia ainda são focadas em melhorias nas baterias de íons de lítio, devido à sua capacidade de fornecer energia em grande quantidade e a uma velocidade praticamente instantânea. No entanto, tecnologias inusitadas como novos compostos para baterias e outras maneiras de armazenar de energia já estão sendo utilizados.
Setor de Transportes
Maior impulsionador de todo esse processo, o apetite do setor de transportes por baterias deve ditar os próximos capítulos dessa história, pois a demanda da indústria é enorme e crescente. Com a população mundial crescendo e o consumo de minerais aumentando, a tendência é de uma demanda com crescimento exponencial à medida que o padrão de vida global aumenta enquanto mais consumidores entram no mercado de consumo.
Uma vez que o carro mais vendido no mundo em 2023 é um Tesla Model Y (superando o Toyota Corolla), a tendência é que o setor acompanhe o movimento irreversível de eletrificação e passe a demandar mais baterias a cada novo modelo elétrico (ou híbrido) que chegar no mercado. A preocupação é tão grande que, em 2021, o próprio Elon Musk (empreendedor serial e CEO da Tesla) reclamou, abertamente, sobre como a escassez de níquel pode ser o problema mais preocupante para a expansão da marca.
A montadora vem realizando ações estratégicas a fim de assegurar a estabilidade na cadeia de suprimentos e verticalizar, ao máximo, a fabricação de seus veículos, buscando aumentar a produção e reduzir o custo dos componentes. Algumas dessas ações, como o acordo que garantiu um terço da produção de uma mina de níquel na Nova Caledônia, denotam preocupação em garantir o fornecimento de baterias, componentes essenciais para a produção de veículos elétricos.
Em preparação para o aumento do volume de veículos em produção, a Tesla também fechou um contrato de fornecimento de níquel com a americana Talon Metals (TSX: TLO / OTC: TLOFF) em janeiro de 2022. Isso garantiu seu primeiro acordo comercial para o fornecimento de níquel em solo americano, antes mesmo do início das operações da nova mina Tamarack em Minnesota – que será operada pela Talon Metals em parceria com a gigante Rio Tinto (ASX, LON: RIO) e tem sua inauguração prevista para o ano de 2026. Além destes esforços, a montadora também iniciou a construção de uma refinaria de lítio no Texas em março de 2023, algo inexistente nos EUA até então, como forma de verticalizar ainda mais sua operação.
Novas Alternativas
Esse cenário de escassez e demanda impulsiona a pesquisa e o desenvolvimento na área de armazenamento de energia, o que trouxe novas alternativas ao mercado. Atualmente, além das conhecidas baterias de chumbo e íons de lítio, novos compostos e tecnologias de armazenamento de energia estão disponíveis no mercado, provando serem promissores substitutos às opções habituais.
Baterias de Estado Sólido
Ao contrário das baterias de íons de lítio, as baterias de estado sólido, como o próprio nome já diz, não utilizam eletrólitos líquidos em sua composição (muitos deles inflamáveis), sendo mais seguras e menos suscetíveis a combustão e explosões. Empresas como a montadora japonesa Toyota têm investido na nova tecnologia, que demonstrou excelentes resultados e fará parte dos próximos veículos da marca.
Baterias de Fosfato de Ferro-Lítio
Queridinhas da vez, as baterias de fosfato de ferro-lítio (LFP ou LiFePO) não utilizam níquel ou cobalto, sendo mais baratas, estáveis e seguras que as de íons de lítio, tradicionalmente utilizadas na indústria automobilística. A própria Tesla vem utilizando baterias prismáticas de fosfato de ferro-lítio (fabricadas pela chinesa CATL) que, desde 2022, equipam metade de seus veículos – entre eles, os dois veículos de entrada da marca, Model 3 e Model Y (atualmente, o veículo de passeio mais vendido no mundo) – além de muitos de seus produtos de armazenamento de energia para redes de distribuição.
Baterias de Íons de Sódio
Atualmente muito cotadas como substitutas das baterias de íons de lítio (Li-ion), as baterias de íons de sódio (Na+) representam uma alternativa mais acessível visto que não requer tantos materiais caros – como cobalto, cobre e lítio – em sua fabricação. Seu desenvolvimento, produção e comercialização são feitos por empresas como a chinesa CATL – maior fabricante mundial de baterias para veículos elétricos e fornecedora de montadoras e grupos como BMW, Daimler AG, Hyundai, Honda, PSA, Tesla, Toyota, Volkswagen e Volvo – e pela americana Natron Energy, líder mundial na produção deste tipo de bateria.
Empresas brasileiras e centros de pesquisa também estão criando novas soluções, como a resultante da parceria entre a catarinense WEG e a Unicamp, que estão desenvolvendo novas baterias de íons de sódio para substituir as de íons de lítio.
Gargalos na Infraestrutura
Os reflexos desse cenário não estão restritos à indústria de base ou de transformação, como a mineração e refino. Mesmo em países de primeiro mundo, com economia e indústria altamente desenvolvidas, a transição para uma nova matriz energética não é, exatamente, um processo muito tranquilo. No mercado americano, um dos países catalisadores desse movimento, o consenso é de que o problema não está na geração, mas sim na transmissão de energia utilizando as redes existentes.
Uma das grandes preocupações de instituições americanas é a sobrecarga da infraestrutura elétrica, que não foi criada para suportar a demanda esperada com a acelerada eletrificação do setor de transportes. Para dar uma ideia do impacto da mudança necessária, pesquisas indicam que, somente para suportar as ambiciosas metas previstas em seus planos de eletrificação, o estado da Califórnia deverá gastar cerca de US$50 bilhões até 2035 com a atualização de sua rede de distribuição.
Novos materiais também são necessários para a criação e a manutenção de uma rede de distribuição adequada, colocando ainda mais pressão sobre a indústria de base, mas uma alternativa sustentável, e muito interessante, pode aliviar essa demanda: nossa (não tão) velha amiga, a reciclagem.
Reciclagem na Contramão da Extração
Enquanto isso, assim como em toda crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços. O velho ditado serve para mostrar que um dia chuvoso para alguns, pode ser um excelente dia de negócios para um vendedor de guarda-chuvas. Pensando nisso, alguns visionários e empreendedores têm ido em direções completamente opostas e, enquanto alguns apostam na mineração de asteroides (sim, é sério), outros investem na reciclagem como forma de recuperar os minerais já extraídos.
Um desses visionários é JB Straubel, CEO da Redwood Materials, que vem se preparando para um novo setor da economia que nasce com a transição para uma matriz elétrica de mobilidade: a reciclagem de baterias em escala industrial. A empresa faz a reciclagem de baterias como forma de construir uma cadeia de suprimentos circular e sustentável, tendo desenvolvido uma tecnologia proprietária capaz de recuperar entre 95% e 98% dos materiais presentes em baterias descartadas, tais como níquel, cobalto e cobre.
Impactos na Economia Brasileira
Visto que dois dos setores mais afetados por uma futura escassez de commodities são o de transportes e de geração de energia, o mercado brasileiro deve, minimamente, se atentar ao tema. Nesse momento conturbado, o Brasil tem se mostrado eficiente ao aproveitar as dimensões continentais, grandes mercados locais e abundância de recursos naturais para fazer desse cenário de desafios uma fonte de oportunidades. A matriz energética (predominantemente) hidrelétrica e os crescentes investimentos em geração de energias limpas têm atraído a atenção de investidores e empresas focadas na eletrificação de diversos setores.
A montadora chinesa BYD, por exemplo, vai abrir sua segunda fábrica fora da China e o país escolhido para isso foi o Brasil. A empresa concretizou a negociação para assumir o complexo industrial em Camaçari (BA), que antes pertencia à montadora americana Ford, com a pretensão de dobrar sua produção após 2024, com a finalização de uma fábrica de carros elétricos e híbridos, uma de caminhões e chassis de ônibus e uma terceira de beneficiamento de lítio para baterias, algo muito raro fora da China e, até então, inexistente em terras brasileiras.
Isso mostra que o Brasil atrai não só o interesse de fabricantes de bens de consumo mas, também, de empresas que estão atentas ao mercado nacional, à futura demanda por baterias e a novas formas de atender os consumidores de amanhã, ao investir no país e capacitar o mercado local, reduzindo os custos com fornecimento na transição para as energias limpas.
A localização geográfica e a riqueza mineralógica são outros dois pontos que auxiliam o Brasil em termos estratégicos. Apesar de ocupar o oitavo lugar na lista de países com as maiores reservas de lítio, o país é detentor da terceira maior reserva mundial de níquel, igualmente essencial para a fabricação de baterias e está próximo do Chile, segundo maior produtor e líder mundial em reservas de lítio. Juntos, Brasil e Chile poderiam representar uma poderosa aliança no cenário global de energia, especialmente com o crescente foco na fabricação de baterias sem cobalto, elemento mais caro (e com as fontes mais controversas) entre os ingredientes da típica bateria de íons de lítio.
Atualmente, existem três mineradoras de grande porte focadas na exploração de níquel no Brasil: Vale, Anglo American e Atlantic Nickel. A relevância do país no mercado mundial da commodity é tamanha que, em maio de 2023, investidores de todo o mundo foram apresentados ao Vale do Jequitinhonha em um evento na Nasdaq, onde conheceram o projeto “Vale do Lítio”, iniciativa do governo de Minas Gerais para atrair capital aos municípios com maiores reservas.
Impactos Geopolíticos
Além de impactos causados pela escassez, como a iminente crise causada pela falta de níquel, impactos geopolíticos também são causados pela extração de minerais essenciais à fabricação de baterias. A República Democrática do Congo, por exemplo, vem sendo foco de notícias por causa de más práticas na mineração de cobalto, commodity mais cara entre as utilizadas na fabricação de baterias.
De acordo com a Benchmark Mineral Intelligence, as operações locais de mineração fornecem cerca de 75% do total da commodity no mercado global e esses depósitos minerais ajudaram o país a satisfazer a crescente procura por baterias e veículos elétricos, mas ao custo de um histórico de péssimas práticas, trabalho infantil e acidentes fatais nas operações.
Conclusão
Novos cenários podem causar volatilidade de preços e uma reordenação na oferta e demanda, reescrevendo as prioridades da economia. De mineradoras a montadoras de veículos e fabricantes de eletrônicos, o preço de commodities em escassez afeta todos os envolvidos no processo, antes que o último modelo de carro elétrico (ou telefone celular) consiga chegar na loja mais próxima.
Empresas que fazem parte desta cadeia de suprimentos, ou que são responsáveis pelo processamento dessas commodities, devem enfrentar desafios crescentes daqui em diante, ao mesmo tempo em que novos mercados bilionários nascem com o surgimento de novas tecnologias.
Acompanhar os próximos capítulos dessa história ajudará fornecedores, clientes e investidores a traçar suas estratégias com maior precisão. Para saber mais sobre como essas mudanças afetam seus investimentos, entre em contato com nossa equipe e conte com uma orientação de nossos especialistas desenvolvida especialmente para o seu caso.