O que o guitarrista da banda Queen, um pedregulho flutuando no espaço e commodities para fabricação de baterias têm em comum? Mineração espacial. O termo soa como algo teórico ou saído de um filme de ficção científica, com os custos de uma potencial operação comercial ainda desconhecidos e, provavelmente, astronômicos, mas que agora começam a fazer sentido.
A NASA e a JAXA já deram provas científicas reais (e bem sólidas), que mostram o quanto a operação é possível, na prática. A grande dúvida é qual o ponto de equilíbrio econômico e quando isso começa a fazer sentido. Acredite ou não, alguns empreendedores visionários dizem ter a resposta (e estão lucrando com isso).
E sobre o guitarrista da banda Queen, ocorre que, curiosamente, um dos cientistas que faz parte do time de estrelas da missão OSIRIS-REx é o astrofísico Brian May, também conhecido como o guitarrista do Queen. Bem que eles diziam: “-We will rock you!”…
Índice
Introdução
Sete anos após o lançamento da missão OSIRIS-REx, a NASA recuperou a maior amostra física já coletada de um asteroide. Com o sucesso do pouso no deserto de Utah, no último domingo (24), a amostra coletada na superfície do asteroide Bennu ajudará cientistas de todo o mundo a desvendar a composição de asteroides próximos à Terra e entender melhor as origens de nosso sistema solar.
A cápsula de retorno trouxe de volta cerca de 250 gramas de material, mais do que o recorde anterior da JAXA, agência espacial japonesa que recuperou 5,4 gramas em sua missão Hayabusa-2, enviada ao asteroide Ryugu. Em entrevista à AFP, a cientista da NASA Amy Simon afirmou que “é a maior amostra já recuperada desde as rochas lunares”, referindo-se ao programa Apollo, que terminou em 1972.
O sucesso da missão prova que é possível minerar corpos celestes e trazer partes deles à Terra para estudo, mas alguns dizem que é possível ir muito além. Uma proposta radical, porém bem aceita e desenvolvida atualmente, é a exploração comercial do espaço tendo a mineração de asteroides como objetivo. As propostas vão desde a extração de água e ar respirável para permitir a exploração humana do espaço, até montar postos de combustível para naves espaciais. Parece coisa de filme, mas a NASA e a JAXA já provaram que, ao menos em teoria, tudo isso é possível.
Algumas empresas defendem que, se realizada em uma escala comercialmente viável, a mineração espacial pode até resolver alguns problemas (muito) sérios aqui na Terra, tais como a escassez de metais necessários para fabricação de produtos e materiais críticos ao nosso desenvolvimento tecnológico, tais como ligas metálicas, baterias recarregáveis e circuitos eletrônicos.
Uma alternativa sustentável(?)
À medida que os efeitos da degradação ambiental e o esgotamento dos recursos naturais se agravam, cientistas e organizações (públicas e privadas) estão colocando maior ênfase, não só na reciclagem e na utilização dos recursos que já temos de forma sustentável mas, também, no desenvolvimento de formas menos nocivas de se obter commodities.
Atualmente, empresas e instituições de pesquisa estão buscando procedimentos mais eficientes para o melhor aproveitamento e a extração menos nociva de ativos brutos, especialmente em operações com atividades muito invasivas e danosas, tais como a mineração.
As alternativas mais sugeridas são a reciclagem como alternativa à mineração, que depende de uma economia circular eficiente, a extração em águas profundas, que depende de um processamento custoso e ineficiente de extratos geológicos, e a extração de minerais a partir de salmoura, que é menos nocivo mas depende de processos de filtragem que usam uma quantidade considerável de água.
No entanto, cerca de uma década atrás, alguns empreendedores passaram a considerar outra alternativa além das anteriores: a mineração espacial. O objetivo é extrair e utilizar no espaço (ou trazer à Terra e imediações) elementos essenciais à exploração espacial e minerais em grande escassez e alta demanda, ou cuja extração nos padrões atuais seja prejudicial ao meio-ambiente terrestre.
De preferência, tudo isso deve ser realizado dentro de uma operação comercialmente sustentável e escalável, atendendo a necessidades pontuais e, salvo no caso de elementos em escassez na indústria terrestre, inerentes à própria exploração comercial do espaço. Afinal, o que vale mais no espaço: um quilo de ouro, um litro de água ou um metro cúbico de ar? O custo para levar os três da Terra ao espaço é praticamente o mesmo, mas e se conseguíssemos produzir ar, água ou combustível de foguete no espaço?
Muito além das pedras
Os asteroides são classificados em três tipos: tipo C, tipo S e tipo M. Os mais comuns são do tipo C (carbonáceos), cerca de 75% dos asteroides conhecidos. São ricos em elementos como hidrogênio e oxigênio (muitas vezes, na forma de gelo) e se distinguem por uma composição com grande quantidade de carbono, rochas e minerais. Asteroides do tipo S (silicáceos) têm uma composição mineralógica siliciosa (isto é, pedregosa), daí o nome. Aproximadamente 17% são deste tipo, o segundo mais comum depois do tipo C. Mais raros , cerca de apenas 8% do total, os do tipo M (metálicos) contêm concentrações mais altas de ligas metálicas que outras classes de asteroides.
Os principais alvos da mineração espacial são asteroides dos tipos C e M, que contenham, respectivamente, elementos essenciais à nossa sobrevivência no espaço e ligas metálicas em escassez no nosso planeta. No segundo grupo, estão alguns metais críticos para as atividades de diversos setores e indústrias essenciais para o desenvolvimento tecnológico e o avanço de nossa sociedade, tais como energia, saúde, mobilidade, eletrônica e metalurgia, entre outros.
Primórdios da Mineração Espacial Comercial
O primeiro trabalho para capacitar a investigação e o desenvolvimento da mineração de asteroides surgiu em 2012 com a Planetary Resources, apoiada, entre outros, pelo cineasta James Cameron e por Larry Page (fundador do Google). A empresa foi seguida pela Deep Space Industries, com propostas semelhantes, e as duas assumiram enormes compromissos, planejando desenvolver satélites para reconhecer asteroides com potencial para mineração.
Ambas foram adquiridas em 2018 e 2019, respectivamente, por empresas que visavam seu capital intelectual e pesquisa, mesmo antes de atingirem a totalidade de seus objetivos (provavelmente por estarem à frente de seu tempo, tanto em termos tecnológicos quanto econômicos).
Caso tivessem iniciado suas operações 10 anos mais tarde, as chances de um caminho mais curto até a sustentabilidade, poderiam ser maiores que em 2012 visto que, em preços de 2023, o custo de enviar 50kg de carga ao espaço é de “apenas” US$ 275 mil (com uma taxa extra de US$ 5,5 mil por quilo adicional). Mesmo à frente de seu tempo, importantes passos foram dados por ambas as empresas assim na corrida do ouro, onde alguém observou o cenário e viu um potencial mercado para pás e picaretas.
Com o tempo, outros surgiram e, na hora certa, surfaram na nova onda de acesso ao espaço, aproveitando a tecnologia otimizada e o custo em patamares plausíveis, tendo êxito onde outras falharam anteriormente. Atualmente, empresas como Varda Space Industries, TransAstra e AstroForge, entre outras, estão provando que é possível fazer dinheiro (de verdade) no espaço. A principal diferença entre elas e suas precursoras é que, dessa vez, ninguém está tentando reinventar a roda ao construir foguetes e naves espaciais, optando por terceirizar o lançamento e parte do hardware para empresas especializadas, arcando com um custo operacional muito menor.
Esses negócios ligados à nova economia espacial buscam focar na essência de sua operação, na ciência e nos experimentos com finalidades comerciais, deixando o hardware logístico e o lançamento a cargo de quem é especialista. Assim, essas empresas aplicam seus recursos na essência do negócio, enquanto aproveitam os custos decrescentes de acessar o espaço graças aos serviços de empresas como a RocketLabs, que fabrica naves espaciais, e a SpaceX, que envia carga ao espaço a um custo cada vez menor.
Este modelo de operação tem se provado sustentável e revolucionário, ao passo que agências como a NASA passaram a incluir fornecedores privados em seus planos, visando estimular a busca pelas melhores soluções. Esses fornecedores têm desenvolvido suas habilidades e vêm se provando cada vez melhores e mais eficientes, operando em um mercado arriscado e altamente competitivo. Não é à toa que essas empresas são alvos de investimentos, algumas delas com ações negociadas em bolsa, fazendo parte da composição de diversos fundos de investimento.
Exploração de Ativos Extraplanetários
Boa parte da exploração de corpos celestes concentrou-se na busca por água, refletindo preocupações com a sobrevivência e a locomoção no cosmos (não existe ar, água líquida ou postos de combustível no vácuo do espaço). Com o tempo, outras questões mais terrestres passaram a ser discutidas, tais como a mineração de asteroides para suprir a demanda de elementos raros.
Apesar de desenvolvida com objetivos exclusivamente científicos, a missão OSIRIS-REx abriu as portas para esse novo universo de possibilidades. A missão se assemelha a uma operação de mineração de asteroides e, apesar de ter um custo inviável para fins comerciais, provou que a operação é possível.
Com uma duração de 7 anos e um custo de mais de US$1 bilhão, a missão demandou tempo e valor substanciais para trazer de volta um punhado de minério espacial (250g), algo inviável para indústrias e startups recém-chegadas, que vêem na exploração de recursos extraplanetários sua principal atividade econômica.
Parece pouco, mas este material vai “ajudar a compreender melhor os tipos de asteroides que poderiam ameaçar a Terra”, permitindo que cientistas do mundo tudo estudem “o início da história do sistema solar”, disse Bill Nelson, diretor da NASA. O valor científico da missão é incalculável, mas como calcular o valor de uma operação similar comercialmente viável?
Com empresas como a SpaceX reduzindo, continuamente, o custo de envio de carga ao espaço, era só uma questão de tempo até algum empresário visionário ou uma startup apoiada por algum governo, por investidores ou por fundos de investimento (como a TransAstra e a Astro Forge) percebessem que, em algum ponto, essa conta fecha.
Resta saber se vão minerar e refinar no local, usar por lá mesmo, enviar o produto final para a Terra, ou enviar uma nave autônoma que irá, lentamente, colocar um desses asteroides em uma órbita mais próxima da Terra ou da Lua, reduzindo o custo do frete.
Devido aos recursos críticos que muitos asteroides têm para oferecer, o desenvolvimento da tecnologia de mineração espacial pode revelar-se um esforço válido, apesar do elevado custo inicial. À medida que ficamos sem acesso a elementos essenciais para a produção de eletrônicos, baterias ou medicamentos, a oferta e demanda vão ditar os preços e a viabilidade de uma operação de exploração comercial de commodities em asteroides.
A título de curiosidade, estima-se que o valor potencial da mineração de apenas 10 dos asteroides viáveis mais próximos da Terra, atualmente rastreados pela Asterank a pedido da NASA e dignos de nota, seja de cerca de US$1,5 trilhão.
Indo um pouco mais longe, um único asteroide (16 Psyche, alvo de uma missão da NASA) tem, entre outros elementos em sua composição, cerca de US$10.000 quatrilhões em ouro. O valor seria suficiente para que cada habitante da Terra recebesse cerca de US$93 milhões de dólares, ou para quebrar bolsas ao redor do mundo ao inundar o mercado e jogar o valor do ouro para quase zero, devido ao valor da oferta ser maior que toda a economia global.
Vantagens
Meio Ambiente
A mineração de asteroides pode ter um efeito positivo, pois diminuiria a necessidade do uso de estratégias habituais de mineração. Tais atividades destroem vastas áreas e descarregam substâncias nocivas (como mercúrio, chumbo e arsênico) em rios e riachos em regiões de extração, além dos resíduos corrosivos das minas.
Direitos Humanos
Também é possível argumentar que a mineração de rochas espaciais diminuiria a frequência de condições inapropriadas de trabalho nas atividades de mineração atuais. As operações de mineração artesanal em pequena escala, que não são geridas por grandes empresas e não obedecem padrões de governança, segurança ou operação, seriam as mais afetadas por esta situação. Novas formas de mineração, como um contraste em relação à mineração convencional, podem ser o tipo de impacto que o mundo precisa para ajudar a acabar com esse tipo de operação.
Novas Tecnologias
Em termos de avanço tecnológico, a mineração de asteroides, por si só, poderia abrir caminho para a indústria espacial e para a produção em massa de satélites de energia solar com transmissão a laser, uma fonte possivelmente previsível, e praticamente infinita, de energia limpa, facilitando o trabalho remoto autônomo.
Impactos Econômicos
Provavelmente, o efeito mais óbvio da mineração de asteroides seria o econômico. Até o famoso astrofísico Neil DeGrasse Tyson já disse que “os primeiros trilionários serão aqueles que minerarem asteroides”, durante sua fala no World Government Summit (evento anual realizado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos).
Por um lado, isso pode proporcionar uma abundância nunca vista de recursos ao nosso alcance, com a promoção da tecnologia e do mercado de mineração de asteroides servindo como chave para o desenvolvimento de uma economia espacial no futuro, incluindo indústrias, turismo e colonização. Por outro lado, a mineração de asteroides também pode erodir rapidamente a economia global de matérias-primas que seria sobrecarregada, pois os recursos extraídos das minas de asteroides inundariam o mercado, desvalorizando as matérias-primas globais.
Tal situação foi recriada por especialistas do Tel Aviv College, que previram uma “batalha mundial crítica por recursos e poder” resultando em um mundo onde a mineração de rochas espaciais é uma necessidade. Eles chegaram a essa conclusão depois de fazer uma reconstituição onde um carregamento de minerais espaciais desvalorizou o custo do ouro na Terra em 50%. Os investigadores de Tel Aviv também previram que nações em desenvolvimento seriam significativamente afetadas pelo conflito devido à sua dependência das exportações de minerais e à falta de recursos para estabelecer as suas próprias operações de mineração espacial.
Em um período mais curto que o esperado, a mineração de asteroides pode permitir que uma única empresa seja responsável pelo comércio de um único recurso natural, representando uma ameaça para nações que atualmente dependem, em parte, da exportação desses recursos.
Alguns asteroides individuais, por exemplo, contêm platina avaliada em mais de 50 bilhões de dólares. Em correlação, a África do Sul, o maior produtor de platina, com cerca de 72% das reservas mundiais, extraiu cerca de 3,8 bilhões de dólares em platina em 2018. Mais de 450.000 pessoas trabalham na indústria da platina, que representa 8,2% do PIB da África do Sul e beneficiou enormemente da utilização dos numerosos outros recursos minerais do país. O desempenho econômico da África do Sul cairia drasticamente, prejudicando os meios de subsistência de muitos sul-africanos, caso a mineração de asteroides se tornasse a norma.
Em outras nações, a situação seria consideravelmente pior. O Zimbabwe, outro grande produtor de platina, enfrentaria muito mais dificuldades que a África do Sul se suas atividades de mineração fossem prejudicadas, pois não conta com uma economia considerável e variada ou com um setor espacial em desenvolvimento, como a África do Sul, não dispondo atualmente de recursos para desenvolver nenhum tipo de tecnologia de mineração espacial.
Uma vasta gama de economias em desenvolvimento também está em perigo, à medida que pesquisas são realizadas para descobrir a quantidade de outros elementos em crescente escassez (como o níquel e cobalto) que residem em asteroides. A perspectiva de adquirir cobalto de asteroides, por exemplo, poderá arruinar a indústria de cobalto na República Democrática do Congo, fonte de 70% de toda a commodity no planeta, prejudicando a economia do país.
Próximos Passos
Existem algumas soluções possíveis para esses futuros desafios, mas a maioria implicaria em aumentar o acesso a novas tecnologias para as economias emergentes, para que mais pessoas pudessem competir em uma futura economia orientada ao espaço. Dado que tais atividades seriam, provavelmente, influenciadas por um misto entre governos e empresas privadas, o caminho mais lógico parece ser aquele utilizado por empresas privadas atualmente, com governos patrocinando a presença de tais empresas dentro das suas fronteiras, ou apoiando iniciativas que permitam o estabelecimento de empresas semelhantes a nível nacional.
Seja qual for a forma encontrada para equilibrar os mercados, é essencial que legisladores trabalhem na regulação responsável da produção. Isto garantiria que os recursos seriam produzidos e entrariam no mercado a um ritmo equivalente à produção atual, mesmo que a extração de asteroides em enormes quantidades se tornasse viável.
Conclusão
Devido às limitações da tecnologia atual, a mineração espacial ainda é apenas uma possibilidade distante e vagamente regulada. Pouco tem sido escrito sobre a regulamentação dos recursos, mesmo que esta ambiguidade tenha permitido que nações como os Estados Unidos e Luxemburgo adotassem legislação própria que permite às empresas privadas começar a explorar asteroides.
A maioria dos acordos internacionais contemporâneos relacionados com o espaço, como o Acordo da Lua de 1979 e o Tratado do Espaço Exterior de 1967, são caracterizados pela sua imprecisão mas, a grosso modo, há um consenso comum de que corpos celestes, como a Lua e os asteroides em nosso sistema solar, não podem ser possuídos por um país ou uma empresa.
Como resultado, existem atualmente várias discussões em curso sobre quem deve ser responsável pela regulação do espaço e como deve proceder para o fazer. Mesmo que esta discussão seja essencial para avançar, é crucial que envolva não apenas nações com capacidades espaciais consideráveis mas, também, aquelas que mais sofrerão com quaisquer efeitos econômicos negativos. Já passou da hora de discutir a mineração de asteroides como um assunto sério.